
Cruel, sádico e carniceiro; poucos homens na história mostraram tanta crueldade quanto Johnny Abbes GarcÃa, o torturador oficial do sanguinário ditador da República Dominicana Rafael Trujillo.
Responsável por um número indeterminado de mortes, Abbes GarcÃa espalhou o terror durante três anos na pequena ilha do Caribe, mas pagou o preço por optar por ser o “cara mau”. Filho do alemão George Abbes GarcÃa e da dominicana Altagracia GarcÃa Alardo, Johnny Abbes nasceu na capital Santo Domingo em 27 de março de 1924. Frequentou escolas de padres franciscanos, tendo estudado durante muito tempo ao lado da famosa igreja Las Mercedes. Concluiu seus estudos no Colégio Santo Domingo, um dos mais tradicionais da República Dominicana. O historiador e militar aposentado José Miguel Soto Jiménez diz, em seu livro El Trujillicón (2011), que Dona Tatá GarcÃa, mãe de Abbes GarcÃa, era uma “dominicana em todos os sentidos”: uma mulher querida por suas inclinações religiosas, pregadora da moralidade e da bondade; porém, a educação religiosa e tradicional não livrou o jovem baderneiro das influências de outros garotos de mesmo temperamento. Ao lado dos amigos, Johnny gostava de brigar na rua e, numa tentativa de canalizar seus hormônios adolescentes, enveredou-se pelo boxe amador.
As mulheres que conheceram Abbes GarcÃa em sua juventude dizem que ele era um homem bonito, mas um pouco sem graça. Jiménez, em El Trujillicón, o define como “incolor, insÃpido e inodoro”. Como a maioria dos garotos de sua vizinhança (e de sua geração), suas horas de lazer eram gastas na linda – e antiga – Calle del Conde, uma rua histórica da Santo Domingo colonial, que fornece um passeio interminável para jovens que buscam diversão e azaração. Seus companheiros de farra lembram-se dele como um jovem comum, que estava sempre com a palavra “merda” pronta para sair da boca; lembravam também dos cafés, da cerveja, dos cigarros que fumavam enquanto discutiam sobre futebol, basquete e handebol nos bares da cidade. Seu gosto por esportes, embora nunca tenha praticado nenhum, o levou a tornar-se locutor esportivo. Em sua insignificância, o trabalho lhe deu não só a pose de autoridade entendida do assunto, como também foi um atalho para torná-lo famoso.
Entretanto, havia algo de estranho em Abbes GarcÃa; seus amigos lembram que seus olhos eram diferentes, uma “coisa desagradável que não podia ser explicada”, diz Jiménez. Essa caracterÃstica podia passar despercebida, mas certamente causa arrepios e faz bastante sentido quando lembramos do homem que ele se tornou. Submerso no ritual de uma vida cotidiana medÃocre, sua personalidade sombria se desenvolvia a passos lentos. Em seus olhos, alguns percebiam que aquele jovem não era como os demais. Robert Crassweller, em seu livro Trujillo: The life and times of a Caribbean dictator (Trujillo: A vida e os tempos de um ditador caribenho), adiciona um tempero a mais em nosso Johnny: quando criança, ele foi pego várias vezes arrancando os olhos de galinhas. Abbes GarcÃa, durante a maior parte de sua vida, viveu com seus pais na rua Arcebispo Nouel – outro endereço que passou muito tempo foi o quilômetro 13 da rodovia Duarte -. Graças ao respeito e prestÃgio do nome do seu pai, Abbes conseguiu um emprego no Ministério das Finanças – nessa época, uma de suas principais atividades era ir para a cama com sua amante mexicana, Guadalupe Lemus.
Cronista esportivo e locutor de hipismo, Abbes tornou-se celebridade local e logo estava ocupando cargos públicos importantes. A boa fase era tanta que ele passou a frequentar a corte de Rafael L. Trujillo Molina, o sanguinário e paranoico ditador da República Dominicana; tornou-se amigo inseparável de Nene, irmão caçula do ditador. Logo depois, o chefão Trujillo estaria andando “pra cima e pra baixo” com Abbes GarcÃa. Após terminar seus dias chatos como funcionário público, pegava o microfone e ecoava suas palavras nas ondas do rádio. Por volta de 1954, Trujillo o colocou como presidente do Comitê OlÃmpico Dominicano. Parecia que o trintão Abbes GarcÃa chegara ao ápice de sua carreira, porém, quanto maior é a altura, maior é o tombo. Imaturidade? Uma alma delinquente? Não sei. Só sei que neste mesmo ano, durante a inauguração de uma estação de rádio na cidade de Bani, Johnny encheu a cara e ficou doidão. Com um revólver na mão – presente de seu amigo Nene -, deu um tiro para o alto durante a festança. Escândalo total! Na era do “Pacificador da República” Trujillo, tal comportamento era imperdoável. O próprio ditador ordenou que o general Fausto Caamaño o prendesse e “sumisse com a chave”. Apesar de muitas intervenções a favor, Trujillo recusou-se a visitá-lo na cadeia ou perdoá-lo. Nene, então, depois de um tempo, intercedeu pelo amigo e ele saiu da cadeia. Começava seu reposicionamento no mercado.
Ambicioso e seguro de si, ele escreveu para Trujillo oferecendo seus serviços dizendo que poderia ser “muito útil”. Muitos veem essa tentativa de aproximação com o ditador como uma espécie de jogo da morte, um jogo que Abbes GarcÃa sabia estar jogando e mesmo sabendo do perigo, a sensação de estar no fio da navalha era excitante demais para não jogar. A mensagem de Johnny a Trujillo era como algo do tipo: “Me experimente, use dos meus serviços; se não ficar satisfeito, pago com minha vida!”
Trujillo chamou Abbes e perguntou qual seria seu desejo. Ouviu como resposta que o enviasse até o México para estudar ciências polÃticas. Na realidade, Abbes GarcÃa explicou ao ditador que o estudo seria apenas fachada para sua real intenção: saber tudo sobre “infiltração comunista”, ou seja, ele seria o espião de Trujillo, um agente duplo, que fingiria apoiar os inimigos do Chefão no exterior para supri-lo com informações sobre eles. As palavras soaram como música ao ditador que o nomeou, em maio de 1955, secretário de segunda classe na embaixada da República Dominicana no México.
E o trabalho como espião foi fantástico. Abbes GarcÃa conseguia informações-chaves sobre os movimentos de guerrilha de Fidel Castro, que eram transmitidos para a embaixada dominicana em Havana. Enviou também a Santo Domingo informações valiosas sobre os inimigos de Trujillo, os antitrujillistas, assim como informações importantÃssimas sobre os paÃses vizinhos que colaboravam e financiavam ações dos antitrujillistas.

Os dois homens que mais odiavam Fidel Castro na América: o vice-presidente norte-americano Richard Nixon e o ditador dominicano Rafael Trujillo. Data da foto: 1 de março de 1955. Créditos: Corbis.
Abbes GarcÃa propôs a criação de uma rede de espiões a nÃvel internacional, a fim de lidar com os exilados e “comunistas internacionais”. Trujillo aceitou na mesma hora e deu carta branca para Abbes GarcÃa contactar a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), para troca de informações úteis entre as partes. Com o grupo de espiões organizado, Abbes GarcÃa lançou vários ataques contra os exilados dominicanos e inimigos de Trujillo que viviam na capital mexicana. Os assassinatos foram tantos que a imprensa mexicana logo especulou uma ligação das mortes com Abbes GarcÃa.
Logo ele se tornou um dos homens de confiança de Trujillo. Foi nomeado como inspetor das embaixadas e consulados na América Central, o que lhe deu status diplomático e autorização para circular livremente, a fim de cumprir missões que, por sua vez, forneciam informações de primeiro escalão a Trujillo.
Muito dinheiro foi gasto. Abbes GarcÃa subornava funcionários das embaixadas da América Central, oficiais militares, jornalistas e qualquer um que pudesse fornecer informações interessantes a Trujillo. Em 1957, Abbes ajudou a financiar a chegada ao poder do Senhor da Morte, o sanguinário e messiânico François Duvalier, o Papa Doc, no Haiti. Pelo seu “inestimável” trabalho, em 28 de maio de 1958, Johnny voltou à República Dominicana e foi nomeado Diretor Nacional de Segurança – órgão que, mais tarde, foi transformado no Serviço de Inteligência Militar (SIM), cuja principal tarefa não era só suprimir conspirações contra Trujillo, mas destruÃ-las antes que o inimigo tivesse a chance de se organizar. O SIM aterrorizou a população e tinha agentes espalhados por todo o PaÃs.
Era o inÃcio do horror.
O Torturador do Caribe
.
O primeiro trabalho de Abbes GarcÃa na nova função foi recrutar ex-agentes da CIA e mercenários europeus especialistas em torturas e assassinatos para treinar a equipe dominicana, que lidaria com repressão e crimes. Com o tempo, suas técnicas de tortura evoluÃram para o uso de bastões elétricos, cães treinados e, acreditem, uma cadeira elétrica. A propósito, traquitanas elétricas para choques em lugares variados (orelhas, testÃculos, ânus) eram os instrumentos preferidos do torturador – alguns dizem que o uso da cadeira elétrica saiu da mente doentia de Abbes GarcÃa, já outros historiadores colocam a culpa num ex-oficial nazista que fugira da Alemanha após a guerra e ensinara alguns truques ao dominicano.
A existência do mortal instrumento só veio a público após a queda de Trujillo e tornou-se ainda mais infame quando uma foto dramática do ex-sargento da Marinha dominicana José Messón percorreu o mundo. Determinado a libertar seu paÃs, Messón era um desertor que se juntara a um grupo de combatentes antitrujillistas que pretendiam chegar ao paÃs pela costa de Miami. A trama foi descoberta e desmantelada em 29 de julho de 1958. Um ano depois, esperançoso com o triunfo da revolução cubana, Messón mudou-se para Havana, onde se uniu ao Movimento de Libertação Dominicano. Com o apoio de Fidel Castro, fundou o Exército de Libertação Nacional (ELD), responsável por reunir o máximo de homens possÃvel. Foram reunidos 198 homens que, divididos em três grupos, invadiram a República Dominicana em 20 junho de 1959 através de um avião, de um barco e de um navio.
Mas o poderoso esquema de inteligência montado por Abbes GarcÃa dizimou o ELD. Messón foi capturado dois dias depois e levado para a Base Aérea de San Isidro. Transferido para o La 40, conhecido por ser o mais infernal centro de tortura de Abbes, foi torturado com um chicote de arame farpado e molestado sexualmente com varas de bambu antes de sentar no instrumento favorito de Johnny: a cadeira elétrica. Considerado um traidor, Messón passou por descargas elétricas na cadeira antes de ser morto com um tiro na frente de seus companheiros de armas. Sua morte tornou-se sÃmbolo absoluto do cruel Regime Trujillista e, principalmente, do seu mais relevante carniceiro: Abbes GarcÃa. Sua foto pregado à cadeira elétrica, com os olhos arregalados de pavor, foi publicada anos depois em jornais do mundo inteiro.

José Messón. Créditos da Foto: Museu Memorial da Resistência Dominicana.
Com o tempo, a simples menção do nome Abbes GarcÃa causava pânico entre civis e militares (incluindo generais).
Os agentes do SIM usavam carros da Volkswagen, que foram apelidados por eles de “escovas” e “besouros”. O peculiar barulho dos motores dos carros tornou-se motivo de ameaça para a população. Ao ouvir um mÃnimo ruÃdo, todos davam um jeito de se esconder. Acreditava-se, na época, que suas antenas eram capazes de detectar transmissões de rádio de exilados dominicanos na Venezuela e Porto Rico. E quem escutasse tais transmissões corria o sério risco de entrar num besouro para nunca mais ser visto.
Em 1960, Abbes GarcÃa orquestrou os assassinatos dos chamados Panfleteiros de Santiago, que distribuÃam panfletos contra Trujillo na segunda maior cidade da República Dominicana. Em 30 de janeiro de 1960, 27 jovens acusados de panfletagem foram assassinados. Muitos outros foram enviados para o centro de tortura La 40, no bairro Las Flores, norte de Santo Domingo.
A crueldade e sadismo de Abbes GarcÃa tornou-se legendária. Sob suas ordens, centenas de pessoas foram torturadas e assassinadas. Prisioneiros eram queimados por pontas de cigarro, colocados em tanques cheios de sanguessugas, e tinham suas unhas, lÃngua e olhos arrancados; por fim, eram atirados, ainda vivos, aos tubarões, no Caribe. Sobre tubarões, há a história do cubano Delio Gómez Ochoa. Capturado durante uma tentativa de golpe em 1959, ele foi amarrado pela cintura a um helicóptero que repetidamente o submergia no mar do Caribe. Dentro do helicóptero, Johnny se divertia usando o cubano como isca para os tubarões. Para sua infelicidade, os bichos estavam de barriga cheia e Ochoa se safou de virar comida de peixe. Outros não menos sortudos eram cortados em pedaços e deixados nas portas de suas casas como uma mensagem para os opositores do regime. Reza a lenda que Abbes GarcÃa circulava pelo palácio de Trujillo com um caderninho em mãos, sua BÃblia. Nas páginas, a descrição de torturas horrÃveis, da China antiga (suas preferidas) à Alemanha Nazista, as quais ele declamava em voz alta entre risadas. Alguns diziam que ele empregava um anão, Bola de Nieve, cujo trabalho era arrancar os testÃculos dos presos polÃticos com os dentes.
Enquanto Abbes GarcÃa esteve no comando, qualquer um que ousasse ser contra seu patrão tinha grande chance de sentir sua ira. Em 1956, o intelectual e antitujillista Jesús GallÃndez foi sequestrado e morto em Nova York. As testemunhas que o viram ser sequestrado também foram mortas. Em 1957, ele teve envolvimento direto no assassinato do presidente da Guatemala, Carlos Castillos Armas, morto com um tiro na cabeça por um assassino desconhecido. Em 1960, ele orquestrou um ataque à bomba contra o presidente da Venezuela, Rómulo Betancourt. Betancourt escapou, mas um de seus seguranças não. O capitão da Força Aérea dominicana Juan MarÃa Goris e outros 40 sargentos também foram torturados e mortos na base aérea de San Isidiro por, supostamente, conspirarem contra Trujillo. O renomado médico cardiologista Dr. Jesús Tejada Florentino foi uma das centenas de pessoas que sentou na cadeira elétrica do torturador. Os generais Juan Tomás DÃaz e José René Román Fernandez, que tiveram participação direta na conspiração que pôs fim à ditadura de Trujillo, em 30 de maio de 1961, também conheceram Bola de Nieve.
Ainda em 1960, em uma reunião em San Jose, Costa Rica, a OEA (Organização dos Estados Americanos) impôs sanções polÃticas e diplomáticas contra a República Dominicana. Tal decisão despertou a ira de Abbes GarcÃa, que se envolveu na tentativa falha de assassinar o presidente da Costa Rica, José Figueres.
Finalmente, em 30 de maio de 1961, o reinado de terror de Rafael Trujillo chegou ao fim durante uma emboscada na periferia de Santo Domingo. Com o ditador morto, a chapa esquentou para o lado de Abbes GarcÃa. O novo presidente, JoaquÃn Balaguer (cria e traidor de Trujillo), destituiu-o do SIM e nomeou-o cônsul no Japão (na prática, outro exÃlio). Em junho de 1961, o jornal El Caribe publicou uma foto de Abbes GarcÃa a caminho do avião que o levaria até o Japão carregando uma mala preta, supostamente contendo uma enorme quantia (para a época) de 150 mil dólares.

Johnny Abbes GarcÃa acena ao deixar a República dominicana. A foto não mostra mas ele está carregando uma mala preta na mão esquerda. Créditos: The Baltimore Sun.
Mas Abbes GarcÃa não assumiu o cargo. Caiu no turismo clandestino de mala bem cheia; o suficiente para anos de viagens entre Canadá, França e SuÃça. Nesse vai-e-vem, teria participado de um encontro no Haiti, em 1963, para financiar o atentado que matou o presidente norte-americano John Kennedy. Johnny queria se vingar de um suposto envolvimento da CIA na morte de Trujillo. O tal encontro foi confirmado por Gerry Hemming, ex-agente da CIA, que liderou ações contra Fidel Castro.
Após o suposto encontro que financiou o assassinato de Kennedy, Abbes passou a maior parte do seu tempo na Europa – até 1966 -, quando assumiu o cargo de assessor de segurança de Papa Doc, um dos piores ditadores da história. Abbes GarcÃa havia ajudado Papa Doc a chegar ao poder e, sabendo da sua “competência”, o ditador haitiano o chamou para dar continuidade ao seu programa de terror: o Tonton Macoute (Tio do Saco, na lÃngua haitiana).
Mas o dominicano não ficou durante muito tempo no cargo. Uns dizem que ele conspirou contra seu novo chefe, outros dizem que ele o tentou passa-lo para trás, já outros dizem que JoaquÃn Balaguer pediu gentilmente que Papa Doc se livrasse de Abbes GarcÃa. O que se sabe é que o Senhor Vodu Papa Doc não era flor que se cheire. Em 1967, ele enviou um esquadrão da morte até a casa de Abbes. Foi o fim do torturador do Caribe. Ele, sua esposa, suas duas filhas pequenas, a empregada e seus dois cachorros foram executados em sua própria casa, que foi explodida em seguida para não deixar vestÃgios.
O jornalista norte-americano Norman Gall tem uma teoria diferente com relação ao fim de Abbes GarcÃa. Segundo o jornalista, o torturador chegou a Porto PrÃncipe em 1966 sob um nome falso para trabalhar para o governo do Haiti prestando serviços de segurança. Ele manteve vários contatos com oficiais de Papa Doc, que foram executados em 8 de junho de 1966. Aparentemente, ele conspirava contra o ditador em conjunto com estes oficiais. Neste mesmo mês, ele teria desaparecido juntamente com sua esposa, suas filhas e a empregada, deixando a casa vazia e com as luzes acesas durante semanas. Durante este tempo, a casa foi vigiada de perto por homens do Tonton Macoute. “Acredita-se que ele esteja morto, mas não há nenhuma evidência disso. Milhares de vÃtimas desse regime não deixaram nenhum vestÃgio”, diz o jornalista.
Em La Mome Moineau, Michel Fenacci diz que em uma conferência de imprensa semanas após o sumiço de Johnny, Papa Doc, ao ser questionado sobre o fato, disse: “Isso tem que ser perguntado aos militares dominicanos, pois eles sabem mais do que eu sobre isso.”
Essa declaração do ex-ditador fortalece a tese da CIA de que Abbes GarcÃa e sua famÃlia foram vÃtimas de uma ação conjunta de militares haitianos e de agentes da inteligência dominicana em Porto PrÃncipe. O assassinato de Johnny teria sido uma ação para impedir uma suposta trama de assassinato do presidente Joaquin Balaguer, homem o qual Abbes GarcÃa sempre considerou inimigo, mesmo quando ambos andavam lado a lado com Trujillo.
Breve Análise
.
Até sua terceira edição, o livro de referência da psiquiatria Manual de EstatÃstica e Diagnóstico de Doenças Mentais (DSM, na sigla em inglês) distinguia basicamente duas formas de sadismo. A primeira delas era o “transtorno de personalidade sádica”, uma condição na qual alguém sente prazer com o sofrimento fÃsico ou psicológico do outro. O segundo tipo de sadismo era o “sexual”, sendo essa uma das principais parafilias, uma perversão do instinto erótico na qual o sofrimento de uma vÃtima não apenas é agradável de um modo geral como também é intensamente excitante, podendo muitas vezes causar o orgasmo.
Poderia Abbes GarcÃa ser incluÃdo no primeiro tipo de sadismo? Seria ele um homem sádico e criminoso que, aproveitando estar sob a capa de mantenedor da ordem, colocou para fora o seu verdadeiro eu? Ou ele era realmente um homem normal transformado pelo contexto social em que cresceu?
Ao longo da história, encontramos inúmeras evidências de homens que matavam por prazer e nem por isso eram considerados criminosos. O professor de história americana Harold Schechter diz em seu livro Serial Killers – Anatomia do Mal que ao longo dos milênios, quando guerras sangrentas eram parte da vida cotidiana das pessoas, um assassino psicopata, por exemplo, que apreciasse fazer mal aos outros, podia ingressar no exército e assassinar brutalmente homens, mulheres e crianças o quanto quisesse, e ainda ganhar uma promoção por isso. Ele chega a citar o exemplo de um soldado americano que ficou horrorizado com um colega de pelotão durante a guerra do Vietnã. Seu colega, após matar uma camponesa a tiros…
“…foi lá, rasgou as roupas da mulher, pegou uma faca e fez um corte da vagina até em cima, quase chegando aos seios; depois, puxou os órgãos para fora, tirando-os completamente da cavidade abdominal, e jogou-os longe. Em seguida, se ajoelhou e, debruçando-se sobre ela, começou a descascar cada pedacinho de pele do seu corpo e a deixou lá…”, cita Schechter.
Poderia Abbes GarcÃa, vestido sob a capa da autoridade, ser um desses psicopatas sádicos? Que aproveita do contexto de vida no qual está inserido para colocar para fora sua verdadeira face sem que isso pareça algo doentio? Ao contrário, comum e normal? É claro que ele tinha seus capangas para sujar as mãos, entretanto, apenas o fato de apreciar o sofrimento alheio também excita os sádicos.
Por outro lado, existe a inquietante possibilidade de que ele fosse apenas um homem normal. Nesse sentido, grosso modo, poderia compará-lo a Adolf Eichmann, um dos arquitetos do holocausto, responsável pela eficiente logÃstica de deportação em massa de judeus até os campos de extermÃnio. Quando Eichmann foi julgado, em 1961, todos esperavam encontrar um monstro, uma aberração psiquiátrica, mas não foi bem assim; psiquiatras que o examinaram viram um homem normal, devoto à famÃlia e funcionário exemplar. Ele não era doente, mas apenas um homem dominado pelo trabalho. Agiu “certo” e para o “bem” de um sistema, esse sim, essencialmente criminoso.
“Ele só ficava com a consciência pesada quando não fazia aquilo que lhe ordenavam: embarcar milhões de homens, mulheres e crianças para a morte, com grande aplicação e o mais meticuloso cuidado. Esse novo tipo de criminoso comete seus crimes sob circunstâncias que tornam impossÃvel para ele saber ou sentir que está fazendo algo errado; é a banalidade do mal”, escreveu a filósofa Hannan Arendt, em seu livro Eichmann in Jerusalem.
O psiquiatra e professor de Harvard Robert Lifton tentou explicar o comportamento de homens como Eichmann através de um processo psicológico que ele chamou de doubling.
“O doubling é a dissociação do eu, que leva à formação de uma espécie de segundo eu… (os nazistas) falavam do que fizeram sem envolvimento emocional, como se estivessem narrando os atos de outra pessoa”, diz ele em The Nazi Doctors.
Para o psicólogo social Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford, viver num sistema maligno leva pessoas boas a agirem de uma forma má.
Neste sentido, Abbes GarcÃa pode ter sido apenas mais um homem bom manipulado por um sistema, esse sim criminoso, e que o levou a mergulhar de cabeça num trabalho cujo resultado era totalmente maléfico. Assim, ele não era um psicopata ou sádico. Foi a vida que ele conheceu (glamour, intrigas, poder, morte) que moldou seus conceitos morais e éticos. Assim como Eichmann, ele poderia estar sob efeito do doubling e não sentia nenhum tipo de remorso pelo que fazia.
Uma personalidade sádica que aproveitou do seu poder ou um homem normal transformado em monstro por um sistema maquiavélico?
“Não podemos deixar de referenciar que, muitas das vezes, esse prazer em maltratar associa-se muito bem com o respaldo do poder que é atribuÃdo a determinado sujeito, o que parece ser esse caso, ou seja, até que ponto esse poder atribuÃdo permitiu que exacerbasse ao máximo toda a perversidade já existente no indivÃduo? É interessante pensar na violência e na crueldade sob esse prisma, pois existe uma diferença latente entre punir de forma violenta e torturar com este requinte sádico de crueldade”.
[Rochele Kothe, psicóloga forense]
Arquivos da CIA: Entrevista com Rafael Trujillo
.
“Dizem que ele ainda está no mundo, esperando pela próxima vinda do Chefe, quando ele irá ascender da Sombra.”.
Universo DarkSide – os melhores livros sobre serial killers e psicopatas
Fontes consultadas: Corbis; BBC; Diario Libre (República Dominicana); Superinteressante (ed. 262); National Post; Crassweller, Robert (Trujillo: The life and times of a Caribbean dictator); Diario Digital Dominicano; Fenacci, Michel (La Mome Moineau); La Información.
Esta matéria teve colaboração de:
Psicóloga forense
Revisão por:
Curta O Aprendiz Verde No Facebook